Morreu o cardeal que queria ser padre de aldeia
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- Categoria: Notícias Regionais
- Publicado em quinta-feira, 13 março 2014 09:33
- Escrito por: Vítor Agra
Pensador e académico com vasta obra publicada, D. José Policarpo morreu esta quarta-feira aos 78 anos. Foi Cardeal Patriarca de Lisboa durante 15 anos. O Patriarca D. Manuel Clemente diz que “mantém-se viva a feliz memória do seu trabalho e do muito que a Igreja de Lisboa e a Igreja em Portugal deve à sua generosidade e à sua lucidez, à sua grande bondade com que exerceu o seu Ministério.
As exéquias serão na próxima sexta-feira pelas 16 horas na Sé de Lisboa, seguindo depois para São Vicente de Fora, o panteão dos Patriarcas.
D. José Policarpo cresceu no seio de uma família numerosa, com oito irmãos, e descobriu a vocação no dia em que foi crismado.
“A recordação mais antiga que tenho do desejo de ir para o seminário é o do dia do meu Crisma”, recordava D. José Policarpo numa entrevista concedida ao jornal “Voz da Verdade”, em Outubro de 2011.
Tinha como sonho ser o padre da aldeia, mas a Igreja chamou-o sempre para outras funções.
Foi nomeado bispo auxiliar de Lisboa a 26 de Maio de 1978, recebeu a Ordenação Episcopal a 29 de Junho do mesmo ano e, em Março de 1997, tornou-se arcebispo coadjutor do Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, a quem sucedeu como Patriarca a 24 de Março de 1998.
Natural da pequena aldeia do Pego, na freguesia de Alvorninha, concelho das Caldas da Rainha, José da Cruz Policarpo cresceu no seio de “uma família cristã muito piedosa”, como o próprio refere, e acabaria por entrar para o seminário de Santarém.
Passou, depois, pelo seminário de Almada, um tempo que recorda com saudade e boa disposição: “Tive dois cargos no seminário de Almada. Um deles era ser o encarregado da loja onde a rapaziada comprava as coisas. Depois, fui encarregado do laboratório. Tinha a chave e ia para o laboratório sempre que quisesse! Uma vez, ia lá ficando, porque me pus a fazer uma experiência por minha conta e risco e apanhei um choque enorme”.
Formou-se em Filosofia e Teologia, no seminário maior do Cristo-Rei, dos Olivais, e passou por Roma e pela Pontifícia Universidade Gregoriana, antes de regressar a Portugal, para ocupar vários cargos na Universidade Católica, desde docente a director da Faculdade de Teologia e, até, a reitor da Universidade, tendo deixado o cargo em 1996.
“Temos de corrigir a rota”
Enquanto Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo nunca deixou de ter um olhar crítico para com o país e a sociedade que o rodeava.
“Estamos num tempo em que isto já não vai lá com lutas sectoriais e soluções parciais”, afirmou em Dezembro de 2009. “Estamos num tempo em que o grande desafio é de correcção de rota em termos de civilização”, acrescentou.
A preocupação com as famílias e a justiça social também foi sempre uma constante. Na abertura de uma conferência episcopal em Fátima, em 2011, afirmou: “A solidariedade exige a equidade dos sacrifícios que se pedem, dos contributos que se esperam de cada pessoa ou de cada grupo social”.
Os problemas que a própria Igreja atravessou nos últimos anos, como os casos de pedofilia, também não foram indiferentes ao seu discurso e foram abordados com frontalidade.
Durante o seu mandato, a sociedade portuguesa passou por profundas transformações e, por várias ocasiões, Igreja e Patriarca opuseram-se às decisões políticas. São exemplos a liberalização do aborto e aprovação do casamento homossexual.
Momentos polémicos
Foram vários os momentos polémicos de D. José Policarpo. Uma das suas declarações irritou, em particular, a comunidade muçulmana.
“Cautela com os amores. Pensem duas vezes antes de casar com um muçulmano. Pensem muito seriamente. É meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam”, afirmou em Janeiro de 2009, num debate ocorrido na Figueira da Foz.
Em Outubro de 2012, em pleno clima de contestação social no país, criticou os protestos, afirmando que não se resolve nada protestando nas ruas. “Estes problemas foram criados ao longo e muito tempo, por nós e por quem nos governou”, defendeu.
Dois Papas em 15 anos
Enquanto Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo recebeu duas visitas papais. João Paulo II veio a Portugal no ano 2000 e, dez anos depois, foi a vez de Bento XVI.
Enquanto cardeal participou no conclave que elegeu Bento XVI, em 2005, e, em 2013, na eleição do Papa Francisco, que tinha sido feito cardeal por João Paulo II no mesmo consistório que D. José Policarpo (a 21 de Janeiro de 2001).
Durante o seu mandato Lisboa acolheu também, em 2005, o Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que levou milhares de pessoas às ruas da cidade. Uma oportunidade para debater os novos desafios lançados à Igreja, mas também o que é necessário mudar para que se adapte aos tempos actuais.
A vontade de estar perto das pessoas levou o Patriarcado de Lisboa a abrir-se às novas tecnologias e, em 2011, foi lançado um novo portal na Internet.
No mesmo ano, D. José Policarpo assinalou 50 anos de sacerdócio. Uma das várias iniciativas que marcou a data foi a publicação de um livro sobre os seus pensamentos. “Atraídos pelo infinito” conta com textos de D. Manuel Clemente, que agora lhe sucede como Patriarca de Lisboa.
Pedido de resignação
Por essa altura, já o Cardeal Patriarca tinha apresentado a resignação ao Papa, por ter atingido o limite de idade de 75 anos. Fê-lo oficialmente numa carta dirigida a Bento XVI a 17 de Fevereiro, mas Bento XVI pediu-lhe que prolongasse o seu ministério “por mais dois anos”.
D. José Policarpo acabaria assim por ficar até à resignação do próprio Bento XVI – notícia que, confessou na altura aos microfones daRenascença, também o apanhou de surpresa.
Foi já depois da eleição do Papa Francisco que a sua resignação foi aceite, a 18 de Maio de 2013. O Papa nomeou para o cargo de patriarca D. Manuel Clemente, até à data bispo do Porto.
Terminada a missão como Patriarca de Lisboa, fica a memória de um dos vários convites à acção que fez durante o mandato: “Convido-vos a todos, a partir do nosso bairro, a sermos verdadeiramente cidadãos activos deste mundo novo que queremos construir”, afirmou numa conferência intitulada “Portugal, o país que queremos ser”, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.
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