A crença na "coisa formidável" acontecida no poema
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- Categoria: Notícias Regionais
- Publicado em quarta-feira, 25 março 2015 12:20
- Escrito por: Vítor Agra
"Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo.", disse um dia Herberto Hélder, o maior poeta português da segunda metade do século XX, que morreu nesta segunda-feira, aos 84 anos, na sua casa em Cascais e, segundo fonte familiar, citada pela Lusa, haverá uma cerimónia fúnebre privada apenas para a família. O poeta vivia praticamente como um eremita, sendo famosa a sua recusa em dar entrevistas ou que circulassem sequer fotografias dele.Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira nasceu a 23 de novembro de 1930 no Funchal. "A Morte sem Mestre" foi o último livro do poeta, publicado pela Porto Editora em junho de 2014. Em jeito de homenagem fica um dos muitos poemas magníficos que escreveu.
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
(1930-2015)
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